terça-feira, 21 de agosto de 2012

Perspectiva epistêmica da T.T - Parte II - O real

O REAL


“Eu te batizo, Real, por que se não existisses, seria preciso inventar-te.”                                                                                              J.Lacan

            O real é o crú, a coisa sem assar e sem cozer usando os termos de Levi Strauss, mas o crú em movimento, sem corte e sem nome. Podemos pensar o real como um tempo antes da palavra, antes da linguagem humana. Algo liso, sem fronteiras, sem zonas e sem divisões que não encontrado, mas reencontrado.
O real é o que não foi simbolizado, fora do dominio do logônico (da ecônomia do logos) , ou que foi parcialmente simbolizado e que será simbolizado progressivamente durante a vida de um sujeito. Ele é dá ordem do impossível, daquilo que resiste a simbolização, desse modo se situa como ex-sistente, que “existe” fora do campo da linguagem, assim o real não existe, ele ex-siste ou insiste. Epistemologicamente falando está ligado a um principio dinâmico. Segundo Bruce Fink na psicanálise lacaniana:

[...] é um tipo de tecido interno, indiferenciado, entrelaçado de forma a ser completo em todos os lugares não havendo espaço entre os fios que são sua matéria. É um tipo de superfície ou espaço plano e sem emenda que se aplica tanto ao corpo de uma criança antes da entrada na ordem simbólica, quanto a todo o universo.                                                                                                                                           
(FINK: 1998, p. 44)

       Ele não é o real da ciência como uma matéria  ou corpo material, é algo que esta ai,  unido, que nos escapa e perpassa. Segundo Lacan, a ciência matemática pode ter um acesso pequeno ao real, mas ainda de forma limitada faltando por inteiro. ( LACAN: 2005, pg.76, 77.)
        O real é um puro acontecer. Para um bebê é a ação e reação a um objeto que se move dentro, entre e à sua frente, o evento no seu aqui e agora, no seu puro acontecer sem causalidade, crú no ato em si, como algo que se move à sua frente ou dentro de seu corpo, um conflito da consciência com o fenômeno, buscando entendê-lo, realiza-se em resistência e estados de choque, percepção, ação,  e surpresa.

        Para Lacan, a letra mata o real que havia antes da linguagem. O logônico (simbólico ou ordem da linguagem) , ao neutralizar o real cria a realidade, que não pode ser confundida com o mesmo.  Na linguagem o real pode ser falado e pensado, mas quando falamos, só o fazemos pela realidade, que é o real transformado em linguagem. 
     O bebê quando ainda muito pequeno apresenta um corpo todo desengonçado com movimento dispares sem sentido. a vida nos é apreendida com o próprio corpo mas, este para existir e funcionar, se articular, necessita ser mergulhado na linguagem, batizado nas águas do universo das imagens e dos significantes.
     A dimensão social da realidade implica num mundo que deve ser cifrado, codificado, mediado pela linguagem, de modo  que ele venha a existir como fato social, assim a existência é um produto da linguagem e aquilo que existe para um grupo social existe somente na linguagem. 
      Assim, o real, uma vez que precede a linguagem, não existe, mas ex-siste. (termo usado por Lacan para indicar algo que se encontra fora da linguagem)
        Se o real é o impensável, como podemos fazer esse encontro com o real? Para Lacan é no sintoma que identificamos o que produz no campo do real.  
         O sintoma é efeito do simbólico no real. O gozo dos seres falantes que goza de ser na fala ou falasser. Segundo Lacan o sintoma não é necessariamente o real, mas a manifestação do real em nosso nível de seres vivos, na linguagem. Em eu texto o Triunfo da religião ele diz:

“ “No começo era o verbo” , concordo plenamente. Mas antes do começo, onde é que ele estava? É isso que é verdadeiramente impenetrável. Há o evangelho de são João, só que há também uma outra coisa que se chama gêneses e que não é absolutamente desvinculado do Verbo. “
                                                                          ( LACAN: 2005, pg.76, 77.)

       Uma fala que não se cessa, uma manifestação artística, um delírio ou um simples suspiro são sinais ou sintomas do real. Construímos ou destruímos porque algo nos afeta, o real como registro é singular para cada sujeito e cada sujeito singular é efeito de um real.
       Como podemos observar para Lacan o real só pode ser falado na medida em que pode ser nomeado, mas há algo de singular em no pensamento de Lacan que serve ao nosso propósito, a letra, a cifra que anexa e manifesta o real não significa nada, parece ser apenas um indicativo de que há algo pra além da letra e que apenas a letra ou o significante sinaliza, isso é o que é da ordem do Inconsciente, daí a máxima o inconsciente se estrutura como linguagem.
         A letra não é a fala, mas o significante, material fundamental que influenciara na produção da fala. A fala ou o discurso do falante não é a verdade sobre o real, é o contrario,  o real de cada vivente é  a verdade que se esconde por traz de toda a fala do sujeito, um tipo de material dinâmico que fura qualquer relação social e que quebra nossas certezas e que se esconde ora fixando ora se deslocando e ora extravasando num objeto, este ultimo é o  mais-de-gozar, um gozo que não cessa de se repetir e que pode levar o sujeito a morte.
     
   Para teologia transistórica todo e qualquer discurso teológico será tomado como sintoma, porém dentre os sintomas  um, terá uma atenção privilegiada,  aquele que aponta um real encontro com Deus,  encontro traumático com o Verbo divino e que deixa marcas de outra ordem a ponto de inaugurar uma nova vida e fazer emergir um novo sujeito. Esse sintoma que indica algo que esta fora das imagens e das palavras humanas, chama-se evangelho de Jesus Cristo.
         O real cristão é o Reino de Deus revelado por Jesus, mas não com palavras categóricas, mas por meio de metáforas pois sendo da ordem do real, não  poderia ser dito de outra forma.
     Diferente das correntes metafisicas, o vetor do real, possibilita pensar um Deus não transcendente, pois como podemos ir afirmar o além se não damos conta do aquém.   

Referencia Bibliográfica:


FINK, Bruce. O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998.


LACAN, J. O triunfo da religião, precedido de discursos aos católicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.






      Por: Marcio Ferreira de  Araujo Miyazato.  Estudante de Teologia - (FAETESF) e Pós-graduando em Semiótica Psicanalítica - PUC-SP.

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