sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Perspectiva epistêmica da T.T - Parte III - O Icônico

ICÔNICO - parte 1

“Quando o mundo real se transforma em simples imagens as simples imagens”. tornam-se seres reais (...) o espetáculo como tendência de fazer ver (...) o mundo que já não se pode tocar”
 (Debord, 1994, p. 18).


Icônico, vem do grego: eikónikos, que significa – reprodução, cópia, que representa com exatidão, conforme o modelo, etc. Tem sua raiz em eikon – imagem, figura, semelhança.
O icônico é o reino das imagens dos duplos semelhantes, visto. Imagens táteis, sonoras, gustativas, olfativas e visuais. São cópias, mimesis, imitações, duplicatas do mundo, e numa visão platônica, cópias imperfeitas do mundo das idéias.
Mas, o icônico está longe de ser apenas algo consciente, do mundo dos visíveis, junto com ele, esconde um mundo sombrio, mundo fantasmagórico, espaço que oculta um tipo de “pré-história” da percepção humana, que passa a ser visível somente quando cruza o rio da palavra, do logônico, do simbólico, da história.
 Freud foi um dos primeiros pensadores que se aventurou na empreitada de procurar construir uma ponte entre esses dois mundos como podemos ver em sua obra: “ A interpretação dos sonhos” . Antes dele, apenas os místicos e espiritualistas procuravam dialogar com o oculto mundo invisível. 
Nas origens das imagens se esconde uma estranha e misteriosa gênese do mundo humano, de modo que é preciso considerar tal complexidade e talvez até certa limitação com relação ao seu princípio, isso, porque os instrumentos que construímos para poder conhecê-las são construídos não a parte delas, mas por meio e algumas vezes entre elas. Eis o ponto cego do modernismo e seu mito de neutralidade.
Para orientarmos no icônico como um possível vetor, que nos auxiliará a compreender esse universo imagético, vamos procurar contornar algumas dimensões iniciais que nos sirva como um ponto de partida. O termo “dimensões” é para evitarmos reduzi-las a uma categoria tipológica, ou uma classificação de imagens como meros objetos, simples e desconectados entre si.

Dimensões do Icônico

Segundo Flusser, as imagens são superfícies ou qualidades que intentam em mostrar algo. Em sua maioria se encontra lá fora no espaço tempo. Geralmente são resultados de abstrair duas das quatro dimensões espaço-temporais, de modo que se conserva apenas a dimensão do plano como, por exemplo, a imagem de um quadro ou um espelho (Flusser, 2011, p. 21).  
Nessa fala de Flusser podemos considerar algumas dimensões reais da imagem, quando ele diz que, a maioria se encontra fora no espaço-tempo, enquanto as outras, subtendidas, as que são a minoria, se encontram dentro, num espaço interno. Por esse motivo, Hans Belting (2001), propôs as categorias de imagens endógenas, para se referir às imagens internas; e imagens exógenas, para aquelas encontradas do lado externo (Baitello Jr, 2005, p. 46,47).
As imagens exógenas estão no plano do ambiente, do qual conhecemos por ecológicas. Essas imagens ecológicas podem ter a seguinte distinção: aquelas ditas naturais, que não são produzidas pelas mãos humanas e as culturais as produzidas pelos humanos.
A origem das imagens culturais pode ter o próprio corpo como referencia, imagens produzidas no corpo e para fora do corpo. Segundo Baitello Jr. o termo o corpo funciona como um tipo de primeira mídia, (mídia primaria), ela aponta estudos de micro gestos assim as imagens produzidas no corpo e pelo corpo são: tatuagem, gestos, cicatrizes, poses, uso de vestimenta e assessórios, perfumes, vozes, etc.
A segunda mídia surge quando o corpo, primeira mídia, deixa sua marca gravada em outro corpo externo que dure mais tempo que o próprio corpo humano como: os desenhos nas cavernas, pinturas, em quadros, gravuras em tabuas de argila, madeira, papel etc.

[...] deixando marcas em objetos, marcava sua presença, deixava a informação de sua presença em sua ausência [...] [e passa a usar] objetos fora do seu corpo para a sua comunicação. Com isso inventou a mídia secundária. Entre um corpo que emite um sinal e outro corpo que recebe o sinal, existe um objeto, um meio de campo, uma mídia. [...] Uma das primeiras formas de mídia secundária são as representações nas cavernas, as imagens e a sua transformação em pictografia e depois em escrita. Assim, todos os produtos da escrita sobre suportes materiais fixos ou transportáveis são, portanto, mídia secundária (Baitello, Jr, 2005, p. 33).

Isso vai ter um impacto no imaginário humano, de modo à inaugurar uma era do registro e do documento da humanidade. A arqueologia e principalmente a História são ciências e mentalidades que se fundamentam nessas bases mídiaticas.
Com esse gesto de registro da expressão do corpo primário, para outro corpo que durava bem mais que o corpo da mídia primaria, o homem conseguiu conquistar o tempo, um dos aspectos da mortalidade, pois, o corpo (mídia primaria) perecia, mas suas idéias, sua alma, viveria para gerações posteriores por meios de outros corpos duráveis. Baitello Jr. também fala sobre a invenção do tempo lento, tempo da contemplação:

[...] introduz um fator temporal novo, inventando o tempo lento que é o tempo da escrita, da decodificação e da decifração. O tempo da imagem registrada sobre materiais permanentes permite o tempo lento da contemplação. Assim também toda escrita exige decifração e tudo que não deciframos nos devora – isto vale tanto para a imagem quanto para a sua transformação que é a escrita (Baitello, Jr, 2005, p. 33).

Temos ainda a terceira mídia ou mídia terciária. Enquanto a mídia secundária se utiliza de aparatos, suportes para a produção de imagens, as mídias terciárias usam aparelhos, que funcionam de um lado como emissor e outro como receptor.
Segundo Baitello jr. essa revolução na forma de comunicação, fez com que o homem supera-se o espaço, podendo agora experimentar certo tipo de “onipresença”. São exemplos de mídia terciária, que envolve a produção de imagens: a televisão,  cinema, computadores, a internet , vídeo games, celulares e mobiles.
De alguma forma o discurso teológico pode ser encontrado mediado por imagens nesses diversos tipos de mídias. Sua produção pode ser tanto espontânea, quando produzida de forma natural sem uma intencionalidade objetiva. Como também pode ser artificiosa, com uma intencionalidade objetiva e instrumental.
Uma questão que podemos refletir é até que ponto a espiritualidade e as formas de culto ou mesmo o discurso teológico, do cristianismo, juntamente com seus valores,  não sofreu com essa transformações midiaticas?  Para aqueles que acham que a mídia trata-se apenas de uma ferramenta de comunicação, a resposta talvez não seja tão impactante. Mas, para aqueles que compreendem que o termo mídia, é sinônimo de meio, e meio é muito mais que ferramenta, mas, um espaço que se arquiteta como um sistema, instaurando novos modos de percepção e cognição, ou seja, novas subjetividades, a resposta é de outra natureza.
Só uma pequena provocação! Se observarmos a história das midias, seu modelo cognitivo proposto e paralelamente as mudanças de mentalidades em cada época em que houve um modelo midiatico, é interessante o resultado. Eis um ponto onde a história das idéias não alcança, pois sua preocupação se dá apenas com o conteúdo ou com o significado do  relato produzido em uma determinada época, mas não consegue compreender até que ponto cada meio,  com seu modo de produção e, seu arranjo semiótico, determinam e influenciam a  significação e conseqüentemente a produção de sentido.

                Referência Bibliográfica:        
                                                                                         
BAITELLO ,Júnior, Norval. A era da iconofagia. Ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hacker Editores, 2005.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: AnnaBlume, 2011.


DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

 Por: Marcio Ferreira de  Araujo Miyazato.  Estudante de Teologia - (FAETESF) e Pós-graduando em Semiótica Psicanalítica - PUC-SP.

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